domingo, 4 de julho de 2010

Formas de fazer política por Paula Alzugaray

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Isto é em 02 de junho de 2010

Curadoria anuncia os artistas selecionados da 29ª Bienal de São Paulo, cujo tema é a relação entre arte e política

No dia em que a opinião pública dos quatro cantos do planeta repudiou o ataque de Israel à frota de barcos com ativistas da causa palestina engajados em missão humanitária, num gravíssimo incidente de política internacional, a curadoria da 29ª Bienal de São Paulo divulgou a lista de artistas convidados para a mostra que, a partir de setembro, pretende discutir as relações entre arte e política.

Apesar do foco da próxima Bienal, anunciado nesta terça feira, 1, os habituais impasses políticos nas zonas de conflito mundiais não são diretamente contemplados pelo grupo curatorial centralizado por Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias. “Nosso modo de entender arte e política se contrapõe à idéia tradicional da relação entre esses dois campos”, anuncia Moacir dos Anjos. ”Não nos interessa a arte como mero transmissor de conteúdos gerados em outros campos do conhecimento. Nossa ênfase é na capacidade que a própria arte tem de fazer política.”

Por mais contundente que tem sido o posicionamento do governo brasileiro frente aos problemas globais, a curadoria da 29ª Bienal não entende que a mostra deva ter um posicionamento frente aos conflitos do mundo. “São os artistas que têm posições definidas sobre os conflitos. A nós, cabe criar condições para que esses discursos sejam ouvidos”, argumenta dos Anjos.

Podemos supor, então, que entre os 148 selecionados para a mostra destacam-se diversas maneiras de fazer política (veja a lista completa de artistas abaixo). Artistas ligados à performance, como a brasileira Anna Maria Maiolino e a espanhola Dora Garcia, utilizam o corpo como linguagem de afirmação de seus posicionamentos sobre o mundo. Artistas ativos desde os anos de chumbo no Brasil, como Carlos Vergara, Carlos Zílio, Cildo Meireles, Paulo Bruscky e Artur Barrio, desenvolveram seus trabalhos como estratégias de sobrevivência cultural contra a repressão.

A política que se faz “sob o signo da poesia”, que segundo o curador Agnaldo Farias define um outro eixo conceitual da mostra, é perceptível nos trabalhos de artistas como o belga David Claerbout, o holandês Aernout Mik, a dupla Marilá Dardot e Fabio Morais, e a brasileira Alice Miceli, que concebeu um sistema de registro de imagens do invisível, ao radiografar a contaminação química da zona de exclusão de Chernobyl. O titulo da mostra, “Há sempre um copo de mar para um homem navegar” – verso extraído de “Invenção de Orfeu” (1952), de Jorge de Lima –, aponta para essa valorização da dimensão utópica na arte e na vida cotidiana.

A política se faz presente, ainda, na anunciada participação do artista e ativista indígena norte-americano Jimmie Durham que, ao que tudo indica, voltou atrás ao seu boicote ao Brasil. Em 2006, após recusar um convite para participar como palestrante do ciclo de seminários da 27ª Bienal, Durham convocou um boicote em massa ao evento “por causa do tratamento que os brasileiros dão aos índios”.

Outro acontecimento – boicotado, abominado e nada discutido pela organização da Bienal –, a invasão de pixadores na abertura da 28ª Bienal, “Em vivo contato”, em 2008, ganha finalmente direito ao debate. O grupo de pixadores paulistanos foi convidado para expor documentações de suas intervenções e contravenções. Resta saber se serão expostos os registros em fotografia em vídeo da invasão à própria Bienal. “Temos que resgatar a tradição do debate como celebração da política”, afirma Agnaldo Farias.

Embora contemple artistas de 40 países, a lista final enfatiza artistas da America Latina e do Brasil e pretende posicionar-se como uma plataforma para o encontro entre esses países, “que não se conhecem muito bem”.
http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/week_2010_05_30.html